Cenas de um continente contaminado pela loucura chamada futebol


Jogadores da seleção brasileira de futebol deixam o campo após a queda da energia elétrica em parte dos refletores …Traço cultural arraigado em praticamente qualquer país sul-americano, o futebol é também um refém de outra tradição latina: o clientelismo político. Quando usado como ferramenta do poder, o jogo fica feio e mesquinho.
Isso por si explica o fato de Brasil e Argentina decidirem o Superclássico das Américas na cidade de Resistencia (a mais de mil quilômetros de Buenos Aires) em um estádio sem a estrutura adequada. Não que os organizadores do torneio sejam inocentes —longe disso--, mas a decisão de jogar lá foi puramente política. Um agrado da presidente da Argentina Cristina Kirchner a Jorge Capitanich, o governador da província do Chaco e presidente do Sarmiento (o clube da quarta divisão que atua no Estádio Centenário).
A influência de Cristina nas decisões da AFA deriva do peso de seu cargo e também do perdão da dívida da entidade com o poder público. Clássico 'toma lá, da cá' que conhecemos tão bem. Ainda que o arranjo seja simplório comparado a Timemania do governo brasileiro --que nasceu para livrar os maiores clubes do país de pagar sua dívida com à União—ele garante considerável poder de decisão a mandatária argentina sobre a seleção do seu país.
Quem já teve oportunidade de conhecer um pouco melhor a Argentina tem dimensão do que representa o futebol para nossos hermanos. Assim como a ligação explícita do esporte com o poder no país. E se Cristina tem forte influência sobre a seleção albiceleste, seu maior adversário tem um passado ligado ao Boca Juniors, o clube mais popular do país.
O atual chefe de governo de Buenos Aires e adversário político de Cristina é Mauricio Macri. Ele é filho do poderoso empresário ítalo-argentino Franco Macri, no entanto, só ganhou identidade própria junto ao povo quando esteve a frente do Boca Juniors de 1995 a 2007. Os êxitos de sua administração esportiva lhe deram suporte popular para se lançar na política. Hoje ele é um dos nomes mais fortes da oposição no embate contra o Kirchnerismo atualmente no poder.
Outro político argentino oriundo do esporte é o ex-árbitro Javier Castrilli (que ficou famoso no Brasil por marcar uma penalidade inexistente para o Corinthians, que acabou tirando a Portuguesa da final do Campeonato Paulista de 1998). Ele concorreu —e perdeu— ao cargo de prefeito de Buenos Aires nas últimas eleições. Sua principal plataforma era de coibir a criminalidade na região. O atual senador argentino Carlos Reutemann também veio do esporte. É ex-piloto de Fórmula 1. Em suma, política e esporte andam perigosamente de mãos dadas na Argentina.
Teto de vidro
Como mencionei anteriormente, a promiscuidade entre esporte e política não é uma particularidade da sociedade argentina. Somos muito parecidos. Basta (ao menos tentar) analisar os obtusos critérios da escolha das sedes da Copa do Mundo de 2014.
Para se ter ideia, a Arena Pantanal terá capacidade para 43.6 mil lugares e custará R$ 454,2 milhões. A média de público do campeonato local é de 941,3 pessoas. Esse é só um exemplo, o Brasil vai herdar uma série de Elefantes Brancos após a Copa do mundo. Para a escolha de muitas sedes a única explicação possível é puro loteamento político. Esse é só um exemplo. Não faltarão casos do uso do esporte na política em outros países latinos. Sofremos todos da mesma chaga.
O escritor uruguaio Eduardo Galeano é um dos maiores estudiosos de nosso continente. Seu livro "As veias abertas da América Latina" deveria ser lido por qualquer ser pensante que tenha nascido nessas terras.
Como bom latino ele sonhou um dia ser jogador de futebol e dedicou parte de sua obra e de sua mente brilhante a esse esporte. É dele talvez a melhor definição de um gol que já vi: "O entusiasmo que se desencadeia cada vez que a bola sacode a rede pode parecer mistério ou loucura". Seriamos todos loucos? De certo modo concordo com esse pensamento. Entretanto, sem o futebol não seriamos mais os mesmos.
O jogo político em nosso continente, por vezes, tem aprisionado o futebol ao mero papel de ferramenta populista. Apenas quando o esporte se livrar das amarras do poder é que poderemos ser ligeiramente loucos ao comemorar um gol e viver sem nenhum traço de culpa.




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